Hipótese do artigo 25, II, da Lei nº 8.666/1993. Singularidade dos serviços técnicos especializados. Posição doutrinária e recente entendimento do TCU.
O art. 25, da Lei nº 8.666, de 1993, dispõe que a licitação é inexigível quando forem contratados serviços técnicos especializados de natureza singular. Deste modo, para se enquadrar na hipótese de inexigibilidade, não basta que o serviço seja técnico especializado, mas também deve ter caráter singular.
Os serviços técnicos especializados encontram-se expostos, a título exemplificativo, no art. 13, da Lei nº 8.666, de 1993, donde se extrai que para assim se classificarem devem depender de qualificação especial.
Quanto ao requisito da notória especialização, trata-se de um reconhecimento público de qualidade e eficiência no desempenho de sua atividade, conforme a dicção do § 1º do art. 25, da Lei nº 8.666, acima transcrito. Neste sentido, a doutrina adverte que: “para a contratação direta, devem os profissionais ou as empresas revestir-se de prestígio e reconhecimento no campo de sua atividade. [04]”
Noutra sede, no que concerne ao objeto central do presente estudo, qual seja, a definição do que seria caráter singular, pode-se, inicialmente, afirmar que a delimitação do alcance da expressão encontra-se em vasta doutrina e em vários precedentes da Corte de Contas, os quais passamos a analisar.
Para a determinação do caráter singular da atividade é imprescindível que seja complexa e especial, de forma que, para ser desempenhada adequadamente, o profissional deva ter alta qualificação, a qual poucos possuam. Neste sentido, a doutrina:
É imperioso verificar se a atividade necessária à satisfação do interesse sob tutela estatal é complexa ou simples, se pode ser reputada como atuação padrão comum ou não. A natureza singular caracteriza-se como uma situação anômala, incomum, impossível de ser enfrentada satisfatoriamente por qualquer profissional “especializado”. Envolve os casos que demandam mais do que a especialização, pois apresentam complexidades que impedem obtenção de solução satisfatória a partir da contratação de qualquer profissional (ainda que especializado) [05].
Ademais, caso qualquer profissional especializado padrão possa desempenhar o serviço a contento, este não poderá ser classificado como serviço técnico profissional de natureza singular. Mais uma vez, a doutrina leciona:
A identificação de um “caso anômalo” depende da conjugação da natureza própria do objeto a ser executado com as habilidades titularizadas por um profissional-padrão que atua no mercado. Ou seja, não basta reconhecer que o objeto é diverso daquele usualmente executado pela própria Administração. È necessário examinar se um profissional qualquer de qualificação média enfrenta e resolve problemas desta ordem, na atividade profissional comum.
Ou seja, a natureza singular resulta da conjugação de dois elementos, entre si relacionados. Um deles é a excepcionalidade da necessidade a ser satisfeita. O outro é a ausência de viabilidade de seu atendimento por parte de um profissional especializado padrão [06].
Além dessas características, impõe a lei que os serviços tenham natureza singular. Serviços singulares são os executados segundo características próprias do executor.(…) Diante da exigência legal, afigura-se ilegítima, a contrario sensu, a contratação de serviços cuja prestação não apresente qualquer carga de particularização ou peculiaridade, ainda que também sejam serviços técnicos especializados [07].
Com efeito, caso muitos profissionais no mercado sejam habilitados a satisfatoriamente executar o serviço, a licitação deverá ser realizada, sob pena de quebra da sua obrigatoriedade e do princípio da impessoalidade. Não se está defendendo que somente uma empresa ou pessoa possa realizar o serviço técnico especializado para que o mesmo se qualifique como de natureza singular, todavia, caso o serviço objeto de análise não seja complexo, de modo que acarrete inviabilidade de competição, o certame licitatório deverá ser realizado.
Em síntese, a pergunta que deverá ser realizada é a seguinte: um profissional médio consegue, com qualidade, ministrar o serviço? Em caso positivo, não está configurada a inexigibilidade de licitação com base no artigo art. 25, II, da Lei nº 8.666, de 1993.
O posicionamento defendido no presente trabalho doutrinário é também externado pelo TCU, através do Informativo de Jurisprudência sobre Licitações e Contratos nº 10, in verbis:
Inexigibilidade de licitação: 2 – Existência de outras empresas aptas à prestação dos serviços contratados
Outra possível irregularidade objeto da denúncia oferecida ao TCU envolveu a contratação, pelo Confea, do Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG) com o objetivo de “ministrar o curso Gestão para Resultados” e também com vistas à “prestação de consultoria técnica para aperfeiçoamento do planejamento anual do Sistema de Gestão do Confea, na gestão por resultados em 2007”. Para a unidade técnica, o treinamento contratado constituiu-se, de fato, “em serviço técnico especializado, previsto no inciso VI do art. 13 da referida lei”. Também não se questionava “a capacidade técnica da prestadora, que demonstrou, mediante documentação anexada aos autos, sua experiência em ministrar treinamentos da espécie”. Todavia, não teria ficado evidenciada “a singularidade do objeto requerida pelo mencionado dispositivo”, levando-se em conta que a singularidade de um serviço “diz respeito a sua invulgaridade, especialidade, especificidade, ou seja, a natureza singular se caracteriza como uma situação anômala, incomum, impossível de ser enfrentada satisfatoriamente por todo e qualquer profissional especializado. Envolve os casos que demandam mais do que a simples especialização, pois apresentam complexidades que impedem a obtenção de solução satisfatória a partir da contratação de qualquer profissional”. Para corroborar o seu entendimento, a unidade técnica afirmou haver identificado, “em simples consulta na internet, que, além do INDG (www.indg.com.br), diversas consultorias promovem esse tipo de treinamento. […] Verificado o currículo dessas empresas/profissionais, constata-se que qualquer um deles estaria habilitado à prestação do serviço contratado pelo Confea”. No que concerne à contratação de consultoria junto ao INDG, concluiu a unidade instrutiva que, “como no caso anterior, o serviço contratado não se reveste da requerida singularidade, com vistas ao seu enquadramento no inciso II do art. 25 da Lei de Licitações”, existindo no mercado “diversas empresas de consultoria habilitadas à prestação de assessoria na área de gestão e planejamento estratégico, com ampla experiência e considerável tempo de atuação no mercado, utilizando-se das mesmas metodologias adotadas pelo INDG. Não se identifica, portanto, qualquer ineditismo ou especificidade no serviço prestado que nos leve a concluir por sua singularidade.”. Ao anuir à manifestação da unidade técnica, o relator afirmou que o tema tem suscitado acalorado debate na doutrina e na jurisprudência, haja vista a dificuldade de se determinar, em tese, quando o serviço pode ser enquadrado como tendo natureza singular. Para ele, os demais requisitos da espécie “são de mais fácil identificação: os serviços técnicos estão previstos no art. 13 da Lei de Licitações, e a notoriedade do profissional especializado pode ser comprovada por meio de documentos hábeis para tanto, como: diplomas, participações em eventos, cursos ministrados etc”. Ao final, o relator propôs e o Plenário decidiu expedir determinação corretiva ao Confea. Precedente citado: Acórdão n.º 852/2008-Plenário. Acórdão nº 658/2010-Plenário, TC-021.717/2007-5, rel. Min-Subst. André Luís de Carvalho, 31.03.2010 (grifos nossos) [08].
Assim, para que um serviço técnico especializado seja qualificado como singular, mister que não possa ser prestado por um profissional especializado padrão. O contratado com base no artigo 25, II, da Lei nº 8.666, de 1993, combinado com o artigo 13, do mesmo diploma legal, deve desempenhar um serviço especialíssimo, peculiar. Da mesma forma, tal serviço também deverá requerer uma habilitação específica (serviço técnico) e fazer com que o contratado seja reconhecido por sua excelência no assunto (notória especialização).
Referências Bibliográficas
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21ª ed. rev., ampl e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.
GRAU, Eros Roberto. Inexigibilidade de Licitação: Aquisição de Bens e Serviços que só podem ser fornecidos ou prestados por determinado agente econômico, in Revista de Direito Público nº100, 1991.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14ª ed. São Paulo: Dialética, 2010.
Notas
1. A Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências.
2. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 339.
3. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 340.
GRAU, Eros Roberto. Inexigibilidade de Licitação: Aquisição de Bens e Serviços que só podem ser fornecidos ou prestados por determinado agente econômico, in Revista de Direito Público nº100, 1991. p.32.
4. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21ª ed. rev., ampl e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 258.
5. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14ª ed. São Paulo: Dialética, 2010. p. 368.
6. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14ª ed. São Paulo: Dialética, 2010. p. 369.
7. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21ª ed. rev., ampl e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 259.
8. No mesmo sentido: Acórdão 12/2002 – Plenário e Acórdão 2738/2005 – Primeira Câmara.
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